segunda-feira, 6 de agosto de 2012

Rosa de quinta feira



Era manhã de quinta-feira. Mais um dia de mais uma vida. Como era sempre de costume Clarisse passava todas as manhãs em minha casa e ia comigo pelo caminho para sua escola, caminho este que conciliava perfeitamente com a escola a qual eu também estudava. Mesmo não estudando juntos havia entre eu e Clarisse uma amizade realmente formidável. Me entendia com ela como nunca havia feito com nenhum de meus outros colegas de classe. Inventávamos coisas que só nós sabíamos e adorávamos ver as pessoas curiosas tentando nos entender. Não era de se estranhar que sempre que possível elas olhavam para nós com ar de desdém, enquanto conversávamos apenas com simples trocas de olhares e risos pra lá de felizes. E entre muitas risadas e poucos ruídos, havia sempre aqueles que nos consideravam doidos ou mais umas daquelas crianças espalhafatosas que adoravam estar em destaque toda vez que saiam a rua. Talvez fossemos mesmos. Talvez riamos sempre alto demais daquele jeito por saber que naquela nossa troca de olhares havia um certo sentimento de cumplicidade. Sabíamos que mesmo sem mencionar uma palavra, todo dia passaríamos por aquela mesma floricultura e que inevitavelmente pegaríamos sem o florista nos ver uma pequena rosa vermelha, e que essa mesma rosa seria logo sobreposta próximo de um banquinho de praça onde havia sempre um senhor que observávamos a meses se sentar próximo de uma adorável velhinha, mas que sempre parecia sem assunto para conversar com ela. Fazíamos isso todos os dias, mas adorávamos ficar por mais tempo especialmente nas quintas-feiras, matando assim os dois primeiros tempos que eram sempre de educação física, na expectativa de que a adorável senhora notasse a rosa próxima ao doce velhinho e começasse ali uma conversa que talvez poderia virar uma linda história de amor. Fazíamos isso também no intuito de que um dia pudéssemos contar para nossos filhos a história de como unimos dois estranhos simplesmente por achar que eles mereciam se amar. Nessa época éramos inocentes demais… Enquanto seguíamos nosso caminho lado a lado, Clarisse me perguntava sempre o motivo de nós homens sermos tão desencorajados para coisas tão óbvias. Não era óbvio demais que aquela velhinha sentava sempre no mesmo lugar esperando uma reação daquele senhor? Não era óbvio demais que ela sempre sorria para ele e tentava mostrar uma feição doce para lhe chamar a atenção? E eu sempre havia de responder aquelas perguntas da mesma maneira: “O que é óbvio para vocês mulheres jamais será claro para nós homens”… Engraçado, pensava comigo mesmo, enquanto olhava para Clarisse, “Como posso chamar de mulher a uma menininha que tinha pouco mais de dezesseis anos?”. Mas logo tive meus pensamentos interrompidos por ela me perguntando se eu a via mesmo como uma mulher. Mas é claro que sim! E porque não a veria Clarisse? – Disse a ela meio sem jeito e estranhando tal indagação. E ela com seus lindos olhos azuis rebateu em rápido e em bom som dizendo: “Sei lá, você é o único amigo que tenho que nunca deu em cima de mim… Porque nunca tentou? Me acha feia ou doida demais é?” E eu, mesmo tendo somente dois anos a mais que ela, me resumi a dizer com um tom de uma maturidade que ainda me faltava: “Vai ver que esses que você considera realmente seus amigos não gostam de você de verdade, só querem te usar e depois jogar fora. Eu te amo minha querida você sabe disso, já não tinha te falado? Mas amo também minha escola, meus pais, minha vida e meus amigos verdadeiros. Amo a muita coisa e a muita gente. E eu sei que se um dia eu magoasse alguém que amo eu jamais me perdoaria.” E então ela desatou a rir. Sem entender a ironia a questionei o que falara de tão engraçado. E ela suavemente me disse “É seu bobo, vocês meninos não entendem nada mesmo. Você é igual aquele velhinho que vimos lá na praça sabia? Sempre faz a mesma coisa todos os dias mas nunca teve coragem de admitir para si mesmo que a vida te dá muitas chances únicas que tentam se repetir a qualquer custo e que você muitas vezes não consegue ou se recusa a cair na real e entender… Bem aqui nos despedimos. Chega de matar aula. Tenho que ir para a escola. Não esquece de ir estudar também tá senhor velhinho? E assim Clarisse seguiu seu rumo, me deixando em meu caminho em direção a minha escola, mas com uma pergunta que cismei em carregar por um bom tempo: Será que vemos o que queremos mesmo ou queremos somente aquilo que se pode nitidamente enxergar? Muitas quintas-feiras se passaram trazendo rosas, velhinhos, caminhos e Clarisse… Ah Clarisse.. Ela foi quem me ensinou o início de muita coisa. Ela foi quem me ensinou o que significava realmente namorar… Os anos se passaram e muitas Clarisses entraram em minha vida trazendo alegrias, tristezas, vitórias e derrotas, mas confesso que as vezes eu me pego seguindo aquele mesmo caminho daquela antigo colégio desejando ter como companhia aquela linda moça de olhos azuis que adorava conversar por gestos… Aquela que era a Clarisse verdadeira que eu sempre tinha como amiga e que tão logo me ensinou muito mais que amizade. Aquela que foi a primeira que me ensinou o que é e como se amar. Clarisse…. Onde quer que você esteja hoje eu adoraria te dizer que encontrei a resposta certa para aquela que era a nossa mais frequente pergunta: “Porque a gente enxerga as coisas simples de maneira tão complicada?”. E hoje eu te responderia minha querida que aqueles que veem somente com os olhos sempre esquecem que o coração é o que possui a mais aguçada visão – A visão do amor. Visão essa que me faz lembrar com muito carinho dos nossos dias… E de como as semanas eram realmente fantásticas, principalmente aquelas nossas quintas-feiras… Vejo que você tinha mesmo toda certeza. Hoje posso dizer que sou mesmo um velhinho na praça… Um velhinho que espera que um dia alguém coloque em seu banco uma pequena rosa vermelha para assim poder voltar a sorrir para algo que realmente fosse tão bom quanto aquilo que a gente julgava ter. É Clarisse sinto muitas saudades suas mesmo… O que será que aconteceu com aqueles velhinhos? Será que se conheceram? Será que se casaram? Ou será que nunca mais se viram? Muitas são as perguntas que eles deixaram… E muitas foram as memórias que ficaram… Memórias de uma rosa, de um caminho e de um par de olhos. Memórias que no fim foram todas trazidas por causa da saudade que eu sinto de você… Rosa, Clarisse, amor… Um dia eu volto a encontrar você…. Um dia eu volto mesmo a encontrar o amor… Saiba que hoje é mais uma quinta-feira que chega… E que eu ainda continuo sentado aqui, no banquinho dos meus pensamentos. Desejando que essa quinta fosse a mesma de alguns anos atrás… Aquela quinta em que você veio e que por muito tempo não me deixou esquecer o que era o amor… Eduardo Orlando Holopainen

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